Sexta-feira, 08/11/2019, o ex-presidente da república, Lula, foi solto após decisão do juiz Danilo Pereira Jr com base na interpretação do STF, que a prisão para cumprimento de pena se daria apenas após transitada em julgado da sentença penal condenatória, uma “interpretação” meio óbvia, uma vez que o texto Constitucional previsto no Art. 5º, Inciso LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não apresenta nenhuma dubiedade. Assim, as prisões para cumprimento de condenação seriam nessas condições, não mais a partir da condenação em segunda instância, como haviam dito anteriormente, em desacordo com o texto constitucional.
Que a base do processo contra Lula e sua condenação foi fruto de um ativismo judicial sem provas contundentes, todos sabemos. Lula foi vítima desse sistema jurídico. A militância petista e aglomerados (partidos que circundam o PT e cumprem papeis específicos para a própria sobrevivência do petismo), após soltura tem ficado bastante emotiva e enchendo as redes sociais de bastante alegria e festividade, pouco reflexiva, como de costume, mas festiva! Viva!
DA REALIDADE CARCERÁRIA BRASILEIRA
Atualmente a população carcerária brasileira tem em torno de 812 mil presos/as, desses 41,5% (aproximados 336 mil e 980 pessoas) estão presos sem condenação. No caso do Lula, ele tem condenação em segunda instância. Dessas outras pessoas, sequer foram condenadas. No início do governo Lula (2003) a população carcerária brasileira estava entre 200 mil presos/as.
De toda essa massa carcerária, mais da metade são jovens entre 18 e 29 anos (54,06%). 63,64 % são pretos/pardos. 88,78% não possuem ensino médio completo. Podemos afirmar, de acordo com os dados do Departamento Penitenciário Nacional, que a população carcerária é preta, jovem e com baixa instrução. Lendo isso você imagina uma pessoa assim sendo moradora da zona nobre ou da periferia?
Durante o governo de Lula foi aprovada a famosa Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que na prática, só serviu para aprisionar ainda mais negros, jovens, com baixa instrução e periféricos. Até o ano de 2017 o grupo de pessoas presas pelas leis de drogas era de 156,749 mil. Essa mesma lei foi a que mais prendeu mulheres, cerca de 64,48% da população carcerária feminina foram condenadas por esse aparato jurídico.
Vale ressaltar que não houve nenhuma oposição de Lula e do PT, inclusive os vetos do presidente em 2006 se passam apenas sobre a funcionalidade do Estado, somente. (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Msg/Vep/VEP-724-06.htm).
As políticas de repressão estatal contra as periferias brasileiras se encorparam e fortaleceram justamente no período de governo petista. Foi o período que mais se construiu presídios, mais se prendeu jovens negros com baixa instrução, a contrassenso do imaginário popular, que acredita que a realidade brasileira melhorará com mais e mais aprisionamento. O PT já demonstrou durante seu governo que prender não resolve.
DA REALIDADE ESPECÍFICA DA PRISÃO DE LULA
Lula esteve preso no prédio da Polícia Federal em Curitiba – PR, muito distante da realidade que ele mesmo ajudou a promover para os/as presos/as normais do Brasil. Como no caso de Rafael Braga, que está em prisão domiciliar para tratar da tuberculose que pegou na prisão, aquela específica para pobres: sem saneamento adequado, superlotada, violenta. Essa que Lula jamais chegou perto. Comparar Lula aos 337 mil presos sem condenação é negar a materialidade. As circunstâncias que Lula esteve não está nem perto do que o povo preto e pobre passa a séculos nesse país.
Lula pode ser sido o que mais construiu universidades públicas (título facilmente alcançado, uma vez que, em comparação a quem não fez nada, fazer qualquer coisa já o diferencia), pouquíssimas comparadas a realidade brasileira. O ProUni que dá isenção fiscal para as universidades que aderem ao programa, começou com uma evasão fiscal de 215 mil em 2006 e já em 2013 atingia a marca de mais de 1 bilhão. Para podermos estimar, 1 bilhão é o valor repassado para Fundação Universidade de Brasília, uma das melhores universidades do Brasil. Com a política de isenção fiscal petista, deixamos de construir e manter uma universidade pública da envergadura da UnB por ano. Para termos uma melhor perspectiva local, a UFMT custa em torno de 843 milhões anuais (dado 2018). Perdemos mais de uma UFMT por ano em isenção para o ProUni. Nem entraremos no mérito do super fortalecimento da estrutura privada da educação superior, tanto pelo ProUni quanto pelo Fies, uma alternativa Liberal (redução estatal) de política pública educacional.
Foi o que mais construiu universidades em seu governo, mas foi também o que mais construiu presídios. Pontuamos que, a crítica aqui não se passa pela construção propriamente dita, de maneira imediata, a construção de presídios é “positivo” quanto ao fato da superlotação, que em 2002 tinham mais de 82 mil do que o suportado. Ao passo que a construção também é negativa, pois não se combateu o encarceramento massivo do povo pobre/preto/periférico/baixa escolaridade que gera a superlotação. Em que a classe rica ganha duas vezes, uma por aprisionar tudo que ela mesma denomina subversivo ou que abala a “ordem”, ao passo que para construir são necessárias construtoras. E, mesmo com a construção desses presídios, ainda há uma superlotação de mais de 300 mil presos/as atualmente.
LULA COLOCOU EM DEBATE O SISTEMA PENAL BRASILEIRO?
Nem de longe. Toda a retórica da militância com a famosa tag “#LulaLivre” se foca na prisão, única e exclusiva, de Lula. Não do sistema penal, que é uma máquina de moer gente. Mas não qualquer gente. Pobres, negros, periféricos e com baixa escolaridade.
A defesa se passa mais pela “defesa” de uma “democracia”. Essa “democracia” é bem contraditória, uma vez que nada tem de democrática. Quiçá participação popular. Que fique claro que não se defende, nem mesmo em conceitos básicos, uma democracia conceitual e prática originária da classe trabalhadora/oprimida. A defesa se dá exclusivamente pela democracia do rico, essa democracia burguesa e elitista que temos.
Alguns grupos políticos defendem abertamente a liberdade de Lula, somente. Dizem que ele é uma “liderança”, por isso deve ter tratamento privilegiado diante da população carcerária. Em outras palavras, é mais humano que os outros humanos.
O QUE MUDA COM A LIBERDADE DE LULA?
Lula é, como ele próprio diz, o melhor presidente para elite do país. Em seu governo os bancos bateram recordes de lucro, até oito vezes maior que em anos anteriores. As políticas públicas voltadas ao consumo sempre focaram mais no lucro da elite, afinal a política petista se passa pela política de créditos. Não ganho real ou aumento do salário mínimo (que deveria estar em torno de 4 mil reais para necessidades básicas da vida), deu aos pobres a possibilidade de se endividar.
A liberdade dele vem em um cenário político da América latina e Caribe muito tenso. O Chile liberal em chamas e lutas nas ruas. Equador e Haiti na mesma linha. Quanto ao Haiti, vale ressaltar que quem iniciou a intervenção militar com tropas brasileiras, para conter o povo haitiano, foi Lula e o comandante do Exército era o General Heleno.
Bolsonaro tem se mostrado na pratica um total desastre enquanto político, não consegue dialogar com parte da elite e nem mesmo com o povo. Não tem a habilidade política de Lula em convencer o pobre que enriquecer ricos pode ser “normal”, ou até bom. Como a retórica petista que perdura até hoje da famigerada “governabilidade”. Tudo que se trata de uma cessão robusta para a burguesia nacional e internacional, os petistas nomeiam de governabilidade.
Bolsonaro também, por sua típica e natural boçalidade, tem uma vertiginosa queda de popularidade. Racha o PSL e, nesse ritmo, logo fica mais fraco e abre margem para disputas à direita da sua base real. Usamos “real”, pois tem o exército de robôs (bots) que impulsionam e fazem chegar a esses “reais” suas notícias falsas ou leituras políticas distorcidas.
A possibilidade de ebulição social estava iniciando aqui. A militância da esquerda institucional (partidos políticos que participam das eleições) estava indignada com a prisão de Lula, começavam a se animar com outras lutas sociais como nos países já citados. Animar, no caso, é apenas compartilhar nas redes sociais, infelizmente. Mas, somado a insatisfação da base bolsonarista (com ápice na manifestação das esposas dos militares de baixa patente) com a insatisfação da base partidária a esquerda, além da insatisfação da população em geral, sem necessariamente ser partidária. Está (estava) faltando apenas uma faísca para o levante popular.
Quem melhor que Lula para controlar as massas partidárias ditas a esquerda? Quem melhor que ele para gerir para a burguesia nacional? Quem conseguiu sair de um metalúrgico para um membro nato da elite nacional? Financeiramente, Lula está entre os mais ricos do Brasil.
O QUE MUDA PARA OS OPRIMIDOS/DE BAIXO?
Para nós, os de baixo, não muda muita coisa. Na melhor das hipóteses, teremos um retardamento das políticas neoliberais. Enquanto Bolsonaro/Guedes propõe uma avalanche neoliberal, Lula pode fazer como no passado e ir “neoliberalizando” menos ofensivamente. De maneira a sentirmos um pouco menos. Então, o que muda na prática é a velocidade.
Não debatemos a máquina de moer gente que é o sistema carcerário. Não debatemos o fim do capitalismo, muito pelo contrário! A defesa petista sempre esteve dentro do capitalismo.
Temos que ter uma clareza quanto a ideologia petista, que está muita aquém da ideologia tradicionalmente da esquerda. Apesar da cor do partido e da apresentação quase teatral de alguns dirigentes, na realidade e no mundo material, o petismo está totalmente entrelaçado com ideologias de direita (neoliberal e social liberal), uma direita amena como o social liberalismo defendido por John Hawls, por exemplo. Alguns consideram o PT como social democrata, tanto faz, está sempre dentro da lógica da burguesia, não do trabalhador propriamente dito.
SEM ILUSÃO COM A ELITE
Não podemos ter nenhuma ilusão com o jogo de xadrez da elite e suas peças, que se movem todas no sentido de manter a hierarquia social e os privilégios dos ricos. Nunca depositamos esperanças no sistema eleitoral do rico e não faremos isso agora! NAS FESTAS DOS RICOS, QUEM SERVE SÃO SEMPRE OS POBRES. NAS GUERRAS DOS RICOS, QUEM MORRE SÃO SEMPRE OS POBRES.
O sistema penal brasileiro é uma máquina de triturar e moer gente, quando vamos defender a liberdade de alguém, defendemos dos nossos, dos de baixo, dos oprimidos que são esmagados diariamente para manter a “ordem” da classe rica. Manter a farra nacional do sistema político e seus partidos.
Não queremos migalhas, queremos o direito de ser gente! De ser livre! Sem essa passividade defendia por Lula. As mudanças históricas não se deram por passividade e não estamos a reinventar a roda. Essa passividade só enriqueceu os de cima, inclusive o próprio Lula, afinal sua maior habilidade é convencer pobres a serem bons “pobres”, sem rebeldia. Sem se indignar, apenas votar a cada dois anos. E receber migalhas.
Lula é e será o Lula que anda com os de cima, que fez a caravana no nordeste antes de ser preso com toda a escoria política. Com Renan e companhia. Com Sarney. O Lulinha paz e amor que se enriqueceu vertiginosamente. Ele representa sua própria classe, a elite brasileira. A “esquerda” mais embranquecida e rica, com um rol considerável de classe média alta, dita progressista.
Nós, aqui embaixo, só temos nós por nós mesmo. Com nossas lutas diárias. Que consigamos sair desse mar de ilusões e construir o poder popular, nas ruas e afrontando o sistema! Não precisamos de conciliação com a elite, precisamos mostrar que temos a força e botá-la na parede!
Algumas Referências:
https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1562941435.15
http://www.portaltransparencia.gov.br/funcoes/12-educacao?ano=2016