O governo do estado de Mato Grosso, na esteira de alguns outros estados, anunciou a decisão de adotar a EAD como cumprimento de parte da carga horária da Educação Básica de Mato Grosso. Com isso, uma série de questionamentos nos saltam como necessários para se pensar a Educação em tempos de pandemia, mas também para além dela. Não podemos descartar que muitas das dificuldades da Educação durante a pandemia da COVID-19 são consequências diretas da precarização da Educação no estado de Mato Grosso anterior a ela. Embora o estado tenha um dos 7 maiores PIBs do Brasil, amarga com a ausência de investimentos significativos na Educação e na saúde, enquanto em torno de 7 bilhões em isenções fiscais são dados ao agronegócio e outros – em Mato Grosso, vivemos a farra fiscal descaradamente.
A pandemia da COVID-19 torna evidente como os governos neoliberais têm investido na destruição dos direitos sociais conquistados pela luta do povo durante a história. Os sistemas de saúde fragilizados na maioria dos países mostram como esse planejamento de minar o bem público e fortalecer a iniciativa privada tem se aprofundado, fruto do avanço da direita neoliberal e dos partidos ditos à esquerda que, ao invés de utilizar sua influência em suas bases, preferem articular um acordo entre as classes e, de alguma forma, manter-se próximo ao poder.
Além da saúde, a situação da educação foi desvelada totalmente neste período. Em sua nota técnica, a SEDUC-MT sinaliza para o uso da EAD não apenas no contexto da pandemia. E, por isso, precisamos estar atentos para que o rolo compressor do governo não nos empurre isso goela abaixo sem nem estabelecer nenhum debate – como é de praxe neste governo. Não é novidade que o Brasil aparece como sendo um dos países com pior distribuição de renda do mundo, o que ocasiona, para a maioria do povo, uma situação de pobreza extremada. O país ainda mantém um alto índice de adultos que não concluíram o Ensino Médio ou, pior, que ainda nem foram alfabetizados. Os jovens e adultos pobres são obrigados a trabalhar muito cedo para ajudar no sustento de sua família, gerando um número expressivo no que se refere à evasão escolar. Ainda, quando falamos das crianças, muitas não têm condições de ser alfabetizadas na idade certa, não aprendendo o que se espera nessa fase da vida escolar. Fruto de lares com dificuldades econômicas, essas crianças não podem ser auxiliadas pelos pais na construção de saberes formais que são ministrados na escola, pois, na maioria dos casos, os pais são os adultos que outrora deixaram de estudar para poder sobreviver.
Em tempos de pandemia, os mais pobres são os mais afetados. Além da doença, seus filhos não podem frequentar a escola, onde podem potencializar suas habilidades físicas, cognitivas e, uma das mais importantes, a afetiva. Nesse sentido, a escola não é somente o espaço onde se desenvolve a preparação intelectual do estudante, a escola é o lugar onde as demandas sociais ficam mais latentes. Em um país onde a pobreza e a fome ainda são graves problemas sociais, a escola é o lugar onde os mais pobres encontram um prato de comida e solidariedade afetiva – para não mencionarmos psicológica.
Frente aos problemas já citados, temos ainda a péssima estrutura das escolas no Brasil. E em tempos de pandemia, o governo apregoa que é possível que os mais pobres possam substituir o ensino presencial pela modalidade à distância. Muitas críticas são feitas à escola e sua plena funcionalidade, mas o que é pouco questionado é porque isso ocorre. Nos últimos anos, com as políticas neoliberais, uma imagem vem sendo construída e difundida, a de que a escola não tem mais sentido em tempos de novas tecnologias. Isso abriu um interesse dos grandes empresários no setor educacional, primeiro no ensino superior e, agora, no ensino básico.
Utilizando de dados questionáveis, essas grandes empresas alardeiam que o ensino à distância (EAD), comparado com o ensino presencial, não mostra grandes diferenças. O que esquecem de dizer é que, comparado a um curso presencial, o curso EAD é muito mais barato e que aqui as empresas não estão discutindo qualidade e sim como podem economizar – fica evidente a “lógica” da Educação como mercadoria, barata e sem qualidade. Com poucos professores e aulas gravadas, as empresas têm alçado grandes quantias para seus cofres. Existe um alto investimento em suas plataformas, com o objetivo de ampliar sua clientela. Essa clientela só pode ser ampliada se essas empresas puderem atuar no ensino básico, o que seria uma mina de ouro. Ao final, essas empresas voltadas para o ramo educacional conseguem um saldo positivo do ponto de vista mercadológico, mas sem conseguir mostrar a qualidade do que foi transmitido.
Outro ponto é a padronização do ensino, que não leva em consideração as especificidades de cada estudante. A linha neoliberal das empresas de EAD quer vender uma Educação que reproduz a lógica da industrialização, produção em série; descartando a realidade social dos estudantes, da escola e do ensino-aprendizagem. E bem sabemos que a lógica industrial não se aplica quando pensamos a Educação como emancipação humana, potencialização de uma formação integral do ser humano. O governo de Mato Grosso, marcado pela mentalidade empresarial, esquece da grande diversidade característica do estado de Mato Grosso, em que as diferenças entre um município e outro podem ser gigantescas. A secretária de Educação, Marioneide Klimacheviski, reivindicando sua experiência a nível de Educação municipal, esquece que existe uma profunda diferença entre a capital Cuiabá e uma cidade como Cotriguaçu ou Aripuanã, por exemplo, que estão do outro lado do estado, a mais ou menos 900 quilômetros da capital. Desconsideram a necessidade de atendimento mais específico para as necessidades dos estudantes; algo já tão difícil para se construir em razão do número grande de alunos em sala e o que a padronização da EAD não supre. Lembremos que a SEDUC-MT aumentou a exigência do número de alunos em sala para o ano letivo de 2020, em uma tentativa de encher as salas de aula e reduzir o número de professores – precarização do trabalho, precarização da aprendizagem, precarização da Educação.
Assim que as notícias de isolamento se tornaram realidade, as empresas que exploraram o setor da educação mostraram-se prontas a atuar. Os mais ricos logo puderam dar continuidade a seus estudos através das plataformas que são pagas pelas altas mensalidades dos colégios particulares. O governo do Brasil, ao invés de preocupar-se com a vida dos mais pobres neste momento, permitiu que o método EAD fosse utilizado como alternativa durante esse período para todos os níveis da educação. Dito isso, as desigualdades ficaram ainda mais transparentes, já que os sistemas privados de ensino mostraram todo o seu arsenal em relação à educação à distância, o que mostra uma longa preparação do setor privado para oferecer a EAD como uma alternativa viável para um número maior de estudantes. Já para a Educação pública, ficou visível que não existem condições de trabalhar com as novas tecnologias de informação na rede pública, visto o sucateamento que as escolas vêm sofrendo ao longo dos anos.
Nesse sentido, apontamos a “contradição” do governo do estado de Mato Grosso, na figura de Mauro Mendes, que optou por cortar os técnicos dos laboratórios de informática da rede estadual para o ano letivo de 2020, “fundindo” o laboratório de Informática com a biblioteca – biblioteca que também se encontra há muito tempo precarizada, em muitas escolas, sem a existência de uma contratação para esse setor de grande importância nas escolas; fusão enganosa e artimanha para deixar o laboratório de informática ao léu, já que sabemos que o real motivo é o corte de “custos” com a contratação de um técnico – o empresário Mauro Mendes entende Educação como gasto. A verdade é que o estado de Mato Grosso nunca projetou ou investiu na tecnologia como ferramenta para a Educação realmente. O que vimos até hoje foi um ou outro pequeno projeto para fazer propaganda, nenhuma prática real para toda a rede. No mais, o que se tem é o esforço de unidades escolares individualmente, o que, sabemos, não supre toda a necessidade da Rede Básica. Se a pandemia revela a ausência de condições para uma EAD em Mato Grosso, é também porque as escolas (estudantes e trabalhadoras/es da Educação) nunca tiveram acesso real à tecnologia e projetos digitais, assim como toda a comunidade escolar. No fim, mais uma vez, o governo do estado de Mato Grosso mascara a Educação; e tal EAD será apenas mais propaganda enganosa do governo Mauro Mendes – que mente sistematicamente para a população. O que se mostra evidente é que não é a escola pública que está obsoleta, ou algo parecido. Falta investimento na estrutura das escolas e não existe interesse para tal investimento, pois, a médio prazo, o neoliberalismo tem como meta entregar a educação para o setor privado.
Uma outra coisa que fica ainda mais transparente, as grandes empresas do setor educacional não se importam com o papel social da escola. Isso fica claro quando verificamos que o único objetivo da maioria das escolas privadas é construir “máquinas de moer estudantes”, ou seja, que possam ser treinados para os exames de massa, sem nenhum aprofundamento crítico para que, ao final do processo, esses alunos possam virar números positivos para suas propagandas.
Não estamos aqui refutando o uso de novas tecnologias para o ensino público. Exigimos que as mesmas condições que existem para os estudantes no ensino privado sejam dadas para os alunos da rede básica de ensino. A possibilidade da EAD até poderia ser algo provisório para esse momento de crise – embora seja a realidade dessa experiência que dirá sobre a sua real concretude –, mas jamais poderia e não tem capacidade de substituir em qualidade o ensino presencial, em especial num país com desigualdade tão profundas quanto o estado de Mato Grosso e o Brasil como um todo.
Não podemos nos esquecer do apoio que a escola pública cede a várias famílias, das várias mulheres que criam seus filhos sozinhas e que dependem da ajuda de uma escola pública de qualidade e humana; dos que dependem da escola para suplementar sua alimentação; dos alunos com necessidades especiais que dependem do apoio das escolas e de seus funcionários para uma inclusão social; dos imigrantes e seus filhos que aqui chegam e são acolhidos nas escolas públicas, sendo, muitas vezes, a escola seu único acolhimento, uma vez que são massacrados pelos patrões que enxergam neles uma oportunidade de exploração. Ainda, a população das áreas rurais e dos rincões de todo o país que sofrem com o mínimo de infraestrutura; a grande população dos povos originários que enfrentam com resistência ao projeto de extermínio que o capital lhes impõe; aos moradores das periferias que não têm água encanada, que dirá acesso à internet com a necessária constância e qualidade que, tecnicamente, exige um sistema EAD.
Não é retirando o papel social da escola que daremos conta dos problemas da Educação no Brasil. A solução é ampliar o direito das crianças, dos jovens e dos adultos, das/os mais pobres, ofertando uma educação de qualidade e com a mesma estrutura que os mais ricos dispõem. Entregar setores essenciais para iniciativa privada não pode ser uma opção, porque sabemos como a iniciativa privada trata os mais pobres, com exclusão.
Por uma educação pública, digna e de qualidade para o povo! Por educação libertária e emancipadora! Por Vida Digna, Nenhum direito a menos! Não aceitaremos que destruam o que é público para presentear os mais ricos!