Opinião sobre as eleições 2014 – RUSGA LIBERTÁRIA

ComoVotamOsAnarquistas

“Sem sermos ingênuos acreditando que só ir as ruas basta, sabemos que a falta de organização de base fragiliza os processos de mobilização e facilitam as tentativas de controle pelos dominantes. Deste modo, nossa aposta é nas Ruas como espaço privilegiado da ação política, mas também é a aposta na organização horizontal e de base que fortalece a ação direta, com uma agenda popular que delibera, encaminha e executa seu programa: um programa dos de baixo, que não delega poder a nenhum político de plantão. Ou se vota com os de cima, ou se organiza e se luta com os de baixo!” (CAB, 2014)

      Esclarecer a cada eleição “como é que votamos?” é algo que faz parte da nossa construção histórica e cotidiana. Para nós da Rusga Libertária, a análise a ser traçada do panorama desse pleito visa colocar nossa opinião sobre o mesmo, deixando claro que a saída para uma mudança efetiva não está no ato de votar, de escolher representantes que na luta do povo não agregam em nada. Muito pelo contrário, tentam enfraquecer o projeto de protagonismo popular, com o falacioso argumento de que não há saída senão aquela em que “iluminados” regularmente eleitos dão as diretivas para as massas.

      Os 12 anos do governo do Partido dos Trabalhadores, que há tempos atrás aparecia como uma promessa de mudança, serviram somente para fortalecer ainda mais as oligarquias já estabelecidas. Com a política de fortalecer ainda mais o financiamento aos grandes capitalistas, criando, assim, empregos, produziram condições fragilizadas e precarizadas, propagando a mentirosa e vil ideia de que milhões saíram da pobreza porque podem consumir. Porém, muito longe de uma perspectiva transformadora, a vida da classe trabalhadora não mudou em nada.

      Não podemos deixar de recordar as lutas que foram travadas no último período. Em especial, é valido lembrar das manifestações de junho e julho de 2013, que levaram milhões de pessoas às ruas. No caso específico do Estado de Mato Grosso, constituíram um marco no que tange ao quesito de mobilização espontânea, despolitizada, mas que jamais foi presenciado na história regional. Além disso, Cuiabá, uma das sedes escolhidas para a Copa do Mundo, viu igualmente o descontentamento popular. E, novamente, viu a população sair às ruas contra todo o montante de dinheiro desviado, contra as promessas vazias de melhorias para os mais pobres, que não tiveram a chance de estar nos jogos. Sobrou para essa parcela da população somente as ameaças de desocupação e as repressões nas periferias, a fim de mostrar Mato Grosso como um Estado avançado e construir uma imagem diferente daquela da burguesia brasileira, que o vê como uma terra sem leis comandada por coronéis – Mato Grosso, um lugar isolado.

 

Um pouco da realidade eleitoral em Mato Grosso

      Em nosso Estado, boa parte dos políticos possuem ligação com o agronegócio, seja possuindo latifúndios ou sendo financiados pelos “donos do Estado”. Isso faz com que o grande mote das discussões seja políticas que irão beneficiar cada vez mais esse setor. Em nenhum momento as demandas dos povos autóctones ou da periferia no perímetro urbano apareceram como pauta. Quem agradece a esses reflexos são os latifundiários, que engoliram os pequenos agricultores, invadiram terras indígenas e mataram e continuam matando os trabalhadores que reivindicam um direito básico: o de (sobre)viver.

      O discurso sobre serviços básicos para a classe trabalhadora, como transporte, saúde, segurança e educação, é o mesmo de eleições passadas. Não se aponta para nenhuma mudança real. O que vemos é que tal discurso aparece de forma mais nociva do que o neoliberalismo dos governos passados. O que, nós anarquistas especifistas, analisamos ser uma outra forma de governar para e com a burguesia, o neodesenvolvimentismo

“Toda esta forma de governar tem sido sintetizadas por nossa corrente, no bojo da CAB, como o neodesenvolvimentismo, porque representa uma nova busca pelo desenvolvimento de alguns setores da economia como sua inserção na economia internacional por meio da injeção de recursos públicos (isto é mais intervenção que no período neoliberal), todavia com certa repaginação, pois não podemos comparar essas com as políticas desenvolvimentistas de outrora, afinal o Estado entra mais como financiador do que como agente direto do desenvolvimento, nesse sentido privatizações e parcerias público privadas vigentes da época neoliberal se mantém, quando muito ganham outra roupagem.” (CAB, 2014)

      Em Mato Grosso, podemos perceber o reflexo das assertivas supracitadas. Os dois últimos governos estaduais são exemplos de que o Partido dos Trabalhadores auxiliou na mudança da política mato-grossense. Blairo Maggi, atual senador pelo (PR) e um dos maiores latifundiários do mundo, é um defensor ferrenho da reeleição de Dilma. Além disso, devemos lembrar que nas últimas eleições o PT deu seu apoio a Silval Barbosa (PMDB), dono de mais de 70 mil hectares de terras obtidas de modo excluso. O mesmo governador que, em declaração sobre o MST, respondeu “por mim o governo devia sentar a borracha nesse povo”, mostrando assim como seria seu governo: pautado na repressão e criminalização dos movimentos sociais. Os candidatos ao governo do Estado nada se diferem dos autoritários políticos que recentemente ocuparam o cargo de governador.

      Lúdio Cabral, candidato pelo Partido dos Trabalhadores, em sua candidatura para prefeito em 2012, teve o apoio aberto de Silval Barbosa. Agora, tendo claro que a gestão de Silval foi um fiasco, principalmente pelos escândalos envolvendo as obras da Copa, e, também, pela falta de diálogo com as diversas categorias de trabalhadores, tenta deslocar sua imagem do mesmo. Basta recordar que, no governo de Silval, ocorreram greves de várias categorias. E o atual governador não hesitou em tratar os trabalhadores como indicou que se fizessem com o MST, com repressão e intensa perseguição. Lúdio Cabral e o PT não podem se isentar da colaboração que deram na chegada de Silval ao poder. Ainda mais, em sua chapa, compõe como candidata à vice Tete Bezerra, esposa de Carlos Bezerra (PMDB), ambos acusados de crime de peculato. O PT, como faz nacionalmente, não mede esforços para chegar ao poder, nem que, para isso, faça alianças com o que há de pior na política representativa. Percebemos que o problema é estrutural. O Partido dos Trabalhadores aceitou entrar nesse jogo, mostrando que não se coloca no campo adversário e sim no que temos de ter como inimigos.

      Seus adversários, apesar de se colocarem como diferentes não o são, basta lembrar que Janete Riva (PSD) é uma das candidatas ao governo do Estado. Esposa de José Riva, a candidata entrou na disputa como substituta, faltando apenas 20 dias do término do pleito. Condenado pelo desvio de recursos da Assembleia Legislativa, José Riva teve sua candidatura indeferida pelo projeto da “ficha suja”, como se os outros candidatos pudessem reivindicar uma “ficha limpa”.

     Como candidato mais bem cotado ao cargo de governador, aparece o nome do senador Pedro Taques (PDT). Exprocurador do Ministério Público, chegou ao cargo de senador com um discurso de caça ao corruptos, como se fosse o arauto da moralidade. Nas fileiras que o apoiam, constam nomes como o de Júlio Campos, que deu seu apoio a Maluf, que fez parte do ARENA apoiando a ditadura militar. Além disso, conta com o apoio de Chico Galindo, ex-prefeito de Cuiabá e maior responsável pela privatização da Sanecap.

     Não devemos nos esquecer da base de Mauro Mendes, atual prefeito da capital e que, recentemente, teve seu nome arrolado em escândalo envolvendo a compra de uma mineradora por uma de suas empresas. Silval Barbosa e seus aliados são os responsáveis pela dívida de R$337 milhões, emprestados para realizar as exigências impostas pela FIFA e que serão pagos até 2025.

infografico-gastos-arenas

     Também existem os candidatos que se colocam como “lutadores” junto dos movimentos sociais, mas que, na ação, não passam de burocratas e engessadores das lutas mais radicalizadas travadas por estudantes e trabalhadores das mais variadas categorias. Muitos, dirigentes sindicais que utilizam o aparato sindical para a realização do trampolim político eleitoral; os mesmos que, nas últimas greves, se colocaram contra os anseios da categoria e realizaram, na prática, uma criminalização dos que se colocavam com maior radicalização na luta; apregoavam um falso discurso de coerência, quando, na verdade, o que queriam era fazer os famosos “acordos de gabinete”. No campo estudantil, é histórica a utilização de grêmios e diretórios estudantis para tal salto, além das práticas oportunistas de se colocarem como a vanguarda e criadores de mobilizações.

A tal saída pela esquerda representativa…

     Dentro do processo eleitoral para a presidência, há também os “representantes da esquerda”. Essas agrupações políticas se colocam como alternativas para realização das mudanças sociais. Contudo, como podemos acreditar que haverá mudanças via o processo eleitoral viciado e ramificado por uma oligarquia nacional, ruralista e fundamentalista?

     Cabe a reflexão de que, no momento atual, os que acreditam em alguma mudança via eleitoral retiram-se das lutas pela base para dar impulso em suas propagandas. Pensamos que tal posicionamento enfraquece a construção de um protagonismo popular, pois a participação nas eleições tem como fim a disputa de votos – mesmo que outros argumentos sejam utilizados, como, por exemplo, o de mostrar alternativa, uma contrapropaganda – e esses votos não são exclusivos da classe oprimida, ou seja, a participação nas eleições reforça a divisão da classe trabalhadora ao invés de fortalecer a luta.

Nossas perspectivas e nossos votos…

     Portanto, NÃO ACREDITAMOS que, nessas circunstâncias, haja possiblidade de mudanças efetivas. Colocamo-nos a favor de um processo pautado no protagonismo dos de baixo. Não chamamos o voto nulo de maneira torpe, limitando-nos exclusivamente nele. Para nós, anarquistas-especifistas organizados na Rusga Libertária, votar nulo é parte da coerência de uma estratégia de construção do Poder Popular. Entendemos que nossas demandas não cabem nas urnas! E reivindicamos uma construção de laços fortes de luta, que nos permita organizarmos ombro a ombro nos locais onde estamos inseridos (trabalho, bairro, onde estudamos).

“O Poder Popular é, portanto, ao mesmo tempo um objetivo e uma estratégia defendidos pelo anarquismo especifista. Ele aproxima nosso ideal libertário de um projeto de poder imprescindível para levar a cabo as rupturas que implicam o alcance de nosso objetivo finalista e não possui relação com as concepções vigentes de ‘tomada do poder’ a partir das instituições de dominação, como no caso do Estado, seja de maneira revolucionária ou reformista” – Revista Socialismo Libertário n°01, junho de 2012.

Nosso compromisso é fortalecer e impulsionar as lutas do povo, ombro a ombro. Lutar para que o nosso projeto seja forjado no seio da classe, fazendo emanar da luta o Poder Popular. Para isso, acreditamos que venceremos fora das urnas, com ação direta e popular!

Ou se vota com os de cima ou se luta e se organiza com os de baixo!

Povo unido é povo forte!

Rusga Libertária – Organização Integrante da Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)

OuSeVotaOuSeLutaEOrganiza